Resisti bravamente para dar o primeiro telefone celular para minha filha mais velha. Foram meses de pedidos, recusas, conversas. Ela tinha 11 anos e estava no quinto ano. Em meados do segundo semestre, quando eu já não tinha mais argumentos (nem vontade de argumentar) e ela era a única da classe sem um aparelho, eu baixei a guarda e pedi uma única boa razão para ela ganhar o celular. Eu queria ser convencida. “Mãe, você vai conseguir falar comigo quando quiser, você vai me encontrar no clube quando quiser ir embora, você vai me localizar sempre que me procurar, na hora que quiser”. Aí, fui convencida. Ela ganhou um aparelho legal, novo em folha, pós-pago e com liberdade para usá-lo sempre. Combinamos que, se houvesse excessos, negociaríamos limites.
Pouco tempo depois, minha filha do meio, então com apenas nove anos, entrou na luta por aquilo que considerava seu por direito: um telefone celular. E, mais rapidamente do que com a mais velha, cedi. Porém, as regras foram outras. Ela disse que queria um aparelho para ter Whatsapp para se comunicar com as amigas no fim do dia e nos finais de semana e comigo, quando eu estivesse fora. Ganhou um telefone velho, pré-pago, que só poderia ser usado em casa.
Até aqui, tudo bem. Nunca me preocupei com o teor das mensagens ou com sites que elas eventualmente entrariam. Combinamos que eu teria a senha de ambas e a liberdade para fuçar no que quisesse quando quisesse – e, realisticamente falando, quanto tivesse tempo. Também alertei sobre o uso inadequado de redes sociais. Ensinei que não deveriam escrever ou encaminhar fotos que não quisessem que o mundo visse, e que não deveriam responder mensagens de estranhos ou de números desconhecidos. Elas entenderam. Após meu treinamento intensivo, acreditei que o telefone fosse ser uma ferramenta para conectar – eu com elas, elas com as amigas e elas com a família em Belo Horizonte, no Canadá e até mesmo aqui em São Paulo.
Ah, como fui ingênua! Como uma pré-adolescente esperta, conectada e que convive com outros pré-adolescentes espertos e conectados ignora os encantos de Netflix, Snapchat, YouTube, Musical.ly e Instagram? Impossível! Em pouco tempo, a mais velha via inúmeros episódios de diversas séries no celular acoplado no meio dos livros, a outra virou a rainha do Musical.ly, mudando até o tom e a entonação da voz, tamanho o vício. E eu? Nunca recebi uma única mensagem pelo Whatsapp da mais nova nem consegui encontrar a mais velha no clube ou na casa de amigas. Os aparelhos estavam sempre sem bateria, sem sinal, sem som, fora do alcance.
Não me arrependo de ter dado os aparelhos. No mundo em que vivemos, minhas meninas precisam dessa ferramenta para se comunicar, sim, seja comigo ou com as amigas. Mas admito que a coisa ficou solta por muito tempo. Com meninas dessa idade, eu deveria ter previsto que as regras precisariam ser mais claras e mais definidas, atreladas a responsabilidades. Só assim funciona. Então, uma revisão do uso foi feita e estamos agora num novo capítulo, mais organizado: 1) se não atender quando mamãe ligar, perde o direito de uso por uma semana; 2) vemos juntas alguns episódios das séries escolhidas para saber do que se trata; 3) olho mensagens quando quero; 4) durante as refeições, telefones permanecem desligados; 4) durante a lição de casa, telefones ficam fora do alcance; 5) telefones não dormem no quarto delas. E, acima de tudo, se eu achar necessário ver, rever e mudar os combinados, eu posso! Afinal, por mais responsável que seja, não há como dar algo viciante para uma criança e não supervisioná-la.
Quando o celular vira um brinquedo perigoso.
Quando o inimigo está muito perto.