Sobrevivemos à primeira semana. Lara, estudando no outro canto da cidade, foi e voltou de metrô sozinha. Largou o aconchego do carro da mamãe. Encarou a chuva e o frio que surpreenderam São Paulo nesta última semana. Foi feliz. Voltou mais feliz ainda.
Que tudo ia dar certo, eu sempre soube. Porque a menina baixa filmes, edita vídeos, circula com segurança entre aplicativos. Porque a menina é articulada, comunicativa, viva. Porque já andou de metrô várias vezes, por várias cidades. Porque entende como funciona o bilhete, a catraca, a plataforma. Mas minha preocupação ia além de tudo que se consegue explicar.
Lara não tinha a esperteza de circular sozinha. Porque nunca saiu solta pelas ruas. Porque nunca andou por aí sem um adulto sinalizando se o semáforo para pedestre fechou ou se o ciclista deu passagem. Porque ela nunca precisou prestar atenção.
No primeiro dia, senti frio na barriga. Pedi que mandasse mensagem ao chegar na escola. Ela se esqueceu.
No segundo dia, senti frio na barriga. Pedi que mandasse mensagem ao chegar na escola. Ela encontrou as amigas mais cedo na plataforma e se esqueceu novamente.
No terceiro dia, debaixo de uma chuva torrencial, riu de mim quando saquei uma sombrinha de bolsa heroicamente na porta do metrô. ‘Mãe, você é muito maluca! Vou na chuva!’ E, obviamente, não abriu a sombrinha na minha frente. Senti frio na barriga.
No quarto dia, esqueceu de avisar que estava entrando na estação do metrô na volta, para eu calcular a hora de buscá-la perto de casa. Quando se lembrou, eu já estava… bem, eu estava bem.
No quinto dia, saiu sem dar beijo. Tchau, mãe! Fui! E, foi. Sem olhar para trás. Sem levar a sombrinha. Mais uma vez, não mandou nenhuma mensagem.
Eu fiquei em casa com o frio na barriga. A previsão diz que este frio não passa nunca. Porque a cidade é violenta. Porque coisas acontecem todos os dias com alguém. Porque os desafios mudam, os medos mudam, as inseguranças são substituídas por outras. Porque ela é minha filha.
Lara sai dessa primeira temporada de independência segura e feliz. Mas, vamos combinar, a vitoriosa, a guerreira, a heroína, sou eu. Porque soltar uma filha nas ruas de São Paulo não foi nem nunca será um passeio no parque.